Os Segredos da Escrita Policial: Lições de Chesterton

Gilbert K. Chesterton

Gilbert K. Chesterton (Inglaterra, 1874-1936) escreveu textos teológicos e literários, todos muito polêmicos e alguns livros de poesia. Porém, seu passo para a posteridade foi devido à incursão no gênero policial, e, na realidade, à criação de um personagem: o detetive particular, Padre Brown. O Homem que era Quinta-feira é o seu título mais célebre.

Os escritores de livros policiais têm a estranha impressão de que o trabalho deles consiste em confundir os leitores e que, enquanto eles os mantiverem confusos, não precisarão se preocupar se estão desapontados. Mas não é só necessário esconder um segredo; também é necessário um segredo merecedor de ser escondido.

Gilbert K. Chesterton

Conselhos de Chesterton

Vamos aproveitar os conselhos de Chesterton, com suas palavras, e ampliar nosso conhecimento sobre a construção de histórias policiais.

Confissões de um Autor

“Que fique claro que apresento este artigo completamente consciente de que fracassei ao escrever contos policiais. Mas eu falhei muitas vezes.

Minha autoridade é então, de natureza prática e científica, como a do especialista da ciência social que analisa o desemprego ou o problema de moradia. Não tenho a pretensão de ter completado o ideal que aqui proponho ao jovem estudante. Eu sou, acima de tudo, o exemplo terrível do que se deveria evitar.

Porém, acredito que existam diretrizes para a narrativa policial, como existem para qualquer atividade merecedora de ser levada a cabo. E eu desejo saber por que elas não estão expostas com mais frequência na literatura popular didática que nos ensina a fazer tantas outras coisas menos merecedoras de serem feitas.

A Importância de Regras e Diretrizes

Por exemplo, o modo para triunfar na vida… São publicados folhetos de todo o tipo ensinar às pessoas as coisas que não podem ser aprendidas: como ter personalidade, muitos amigos, simpatia e charme pessoal.

Na própria literatura, muitas coisas não podem ser ensinadas. Mas há uma amostra clara da arte simples, literária, que poderia ser ensinada e aprendida em alguns casos. Mais cedo ou mais tarde, acredito que esta demanda será satisfeita, neste sistema comercial em que a oferta responde imediatamente à procura.

Assim, acredito que não só haverá livros de texto que explicarão os métodos da investigação criminal, mas também textos reservados para formar os criminosos. Será apenas uma pequena mudança da ética vigente, na qual a mentalidade comercial se desgarrará dos últimos vestígios dos dogmas dos sacerdotes e o jornalismo e o mercado editorial demonstrarão tanta indiferença aos tabus atuais quanto demonstram em relação aos da Idade Média. O roubo será justificado igual à usura e falaremos de pescoços cortados com a mesma indiferença que temos quanto ao monopólio do mercado. As lojas se enfeitarão com títulos como: “A falsificação em 15 lições” ou “Por que aguentar as misérias do casamento?”, tendo como pano de fundo a divulgação do envenenamento, que será tão científica quanto a apresentação de mecanismos de divórcio ou uso de anticoncepcionais.

A Complexidade da Criação Policial

Mas antes, lembremos que não devemos nos impacientar com a chegada de uma humanidade feliz e, enquanto isso, parece que é tão difícil adquirir bons conselhos sobre o modo de cometer um crime quanto de investigá-lo ou de descrever a maneira como deveria ser investigado. Imagino que a razão é que o crime, sua investigação, sua descrição e a descrição da descrição requerem, todas, algo de inteligência. Enquanto que, triunfar na vida e escrever um livro sobre isto, não.

Primeiro Princípio: A Luz no Fim do Túnel

O primeiro e principal objetivo de uma história de mistério, como de qualquer outro conto ou mistério, não é a escuridão, mas a luz. O conto é escrito para o momento em que o leitor compreende, finalmente, o acontecimento misterioso, não simplesmente as múltiplas preliminares que foram apresentadas. O crime é tão somente uma escura silhueta de uma nuvem que mostra o brilho do sol no momento em que se entende a trama. A maioria dos contos policiais ruins são assim ruins porque fracassam nisso. Os escritores de livros policiais têm a estranha impressão de que o trabalho deles consiste em confundir os leitores e que, enquanto eles os mantiverem confusos, não precisarão se preocupar se estão desapontados.

Mas não é só necessário esconder um segredo; também é necessário um segredo merecedor de ser escondido. O clímax não deve ser anticlimático! Não se pode convidar o leitor a um baile e depois largá-lo na sarjeta. Qualquer criação artística, por mais trivial que seja, se apoia em verdades valiosas. Por mais que fiquemos um livro inteiro dando voltas atrás de um atrapalhado Watson, é o momento final, exatamente quando a luz se faz, que nos interessa. Assim, a escuridão só é valiosa frente a uma grande luz em nossa mente.

Segundo Princípio: A Simplicidade na Complexidade

Eu sempre considerei uma coincidência agradável que a melhor história de Sherlock tenha um título que, apesar de ter sido concebido e empregado de uma maneira diferente, foi composto para expressar esse clarear: “Esplendor prateado.”

O segundo grande princípio é que a alma das histórias de detetives não é a complexidade, mas a simplicidade. O segredo pode ser complicado, mas deveria ser simples. Isto também se mostra nas histórias de mais qualidade. O escritor está lá para explicar o mistério, todavia, não deveria ter que explicar a própria explicação. Ela deveria falar por si mesma. Deveria ser algo que poderia ser dito com uma voz sibilante, em poucas palavras, ou gritado pela heroína com a exata intenção de provar que dois e dois são quatro. Mas veja: alguns detetives literários complicam mais a solução do que o mistério e “fazem uma solução parecer mais complexa do que o crime.”

Terceiro Princípio: Familiaridade e Surpresa

Em terceiro lugar, do supracitado, deduzimos que o fato ou o personagem que explicam tudo, deveriam ser familiares ao leitor. O criminoso deveria estar em primeiro plano, mas não como criminoso; tem que ter mais alguma coisa para fazer que permita que ele continue na trama. Darei como exemplo o já mencionado “Esplendor prateado.” Essa é uma história bastante conhecida, então, não há nada de ruim em revelar, a essa altura, o segredo da trama. Sherlock Holmes conta sobre um valioso cavalo de corridas que foi roubado e o treinador que assistiu ao roubo foi assassinado pelo ladrão. Várias pessoas são suspeitas e todos se concentram em descobrir, junto com o policial, a identidade do assassino do treinador. A pura verdade é que o cavalo é o assassino.

Particularmente, considero-a um modelo de história, aquela que apresenta a simplicidade como verdade. A verdade termina por ser algo muito evidente. O cavalo dá título à história, tudo é sobre o cavalo; o cavalo sempre está em primeiro plano, mas sempre fazendo outra coisa. Como objeto de grande valor, para os leitores, ele é principal e torna-se comum. Vê-lo como o criminoso é o que nos deixa surpresos. É uma história na qual o cavalo faz o papel de uma joia até que esqueçamos que essa joia pode ser uma arma.

Se quisesse criar regras para este tipo de composição, isto é o primeiro que sugeriria: de um modo geral, o motor da ação deveria ser uma figura familiar atuando de forma pouco frequente. Deveria ser algo conhecido previamente e que está na cara. Caso contrário, não há surpresa autêntica. É inútil que algo seja inesperado sendo indigno de merecer uma espera. Mas, deveria ser visível por alguma razão e culpável por outra. Uma grande parte da tramóia ou truque de histórias de mistério é achar uma razão convincente que ao mesmo tempo engane o leitor e justifique a visibilidade do criminoso, além de seu próprio trabalho de cometer o crime. Muitos mistérios trabalham ao contrário ao deixar isto como um fim solto na história, sem uma justificativa plausível. Durante a leitura, chegamos ao ponto de suspeitar do caráter de algum personagem graças a um processo inconsciente, muito rápido, de eliminação. Em geral, simplesmente suspeitamos dele porque ninguém está atrás dele. A arte de contar consiste em convencer o leitor, durante um momento, de que não só determinado personagem chegou ao local do crime sem a intenção de maldade, como também que estava lá com uma função definida. As histórias policiais são jogos e o leitor não joga contra o criminoso, mas contra o autor.

O escritor deveria se lembrar disso neste jogo: que o leitor não perguntará: “Por que o agrimensor de óculos verdes escala a árvore para espiar o jardim do médico?” A pergunta mental que ele faz é: “Por que o autor fez o agrimensor escalar uma árvore ou qual é a razão do aparecimento do agrimensor nesse ponto da história?”. O leitor pode admitir que qualquer cidade precisa de um agrimensor sem reconhecer que a história pode precisar disto. É necessário justificar sua presença na história (e na árvore). O leitor, que está jogando com seu rival, autor, vai pensar: “Sim, eu sei que um agrimensor pode escalar uma árvore, e sei que árvores e agrimensores existem. Mas o que este, em especial, está fazendo aqui?” Não dê a explicação e você perde o jogo.

Quarto Princípio: O Divertimento do Mistério

Isto nos conduz ao quarto princípio do qual deveríamos nos lembrar. Muitas pessoas não reconhecerão isto de modo prático, porque os pilares que o suportam parecem de natureza teórica. Os assassinatos misteriosos pertencem à grande

e alegre categoria das coisas chamadas diversão. A história é um voo da imaginação. É conscientemente uma ficção forjada. Podemos dizer que é uma forma muito artística, mas eu prefiro dizer que é claramente um brinquedo, como um jogo de crianças. De onde se deduz que o leitor é um menino e então, muito cedo, não só está consciente do brinquedo, como também do amigo invisível que fabricou o brinquedo e planejou a decepção. As crianças inocentes são muito inteligentes e algo desconfiadas. Insisto que uma das principais regras que o escritor de mistério deve ter em mente é que seu assassino deve ter um direito artístico de estar na história e não um simples direito realista de viver no mundo. Ele não deve fazer uma visita porque tem negócios a resolver e sim, porque tem negócios da trama a solucionar. Não se trata dos motivos da visita; se trata dos motivos que o autor tem para que a visita ocorra.

O conto de mistério ideal é aquele em que um determinado personagem aparece solto, sem propósito, como que criado apenas por prazer ou para impulsionar a trama e depois se descobre que está lá por uma razão óbvia e que é absolutamente indispensável à solução proposta.

Quinto Princípio: A Base na Realidade

Por fim, histórias de mistério, como qualquer outra forma literária, começam com uma ideia. Isso se aplica aos aspectos mais mecânicos e também aos detalhes. Quando uma história trata de investigação, precisa partir de um ponto real, não pode ser uma alucinação. Isso é construído em conjunto com o leitor. As lembranças e experiências do autor somam-se às do leitor e constroem uma trama que mereça ser lida até o final.”


Tradução livre de artigo da revista The North American Review, junho de 1997.

*Correção contextual certeira de Cecilia Maria Vidigal Ferreira. Obrigada! 🙂


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